O que faz com que uma pessoa nascida e criada em um país decida deixar parentes, amigos, um universo cultural inteiro e se aventurar em uma terra distante? Este é o tema do documentário "Porque você partiu?", do diretor Eric Belhassen, ele também na mesma condição daqueles a que se propõe investigar. Os países em questão são a França e o Brasil. E os personagens, chefs da gastronomia francesa que escolheram o Brasil como morada e suas motivações: ganhar dinheiro, gosto por viagens, obediência à orientação do mestre, desilusão amorosa, incompatibilidade com parentes podem ser os aparentes motores para dar início ao movimento, mas a verdade mesmo, eu acredito, é mais universal que pessoal.
O filme fala das dificuldades e das vitórias, das saudades, das visões de duas culturas tão distintas em relação à vida e à comida. São todas histórias de sucesso, mas que têm passado, e é isso que o filme constrói, a história.
Para a turma que gosta de cozinhar, é interessante desglamourizar os personagens e perceber o tamanho de esforço envolvido nas histórias pessoais. E o descortínio dos verdadeiros talentos: no Instituto Laurent Suaudeau, por exemplo, o máximo do prazer é ensinar. Todos vindos do país onde só não produz boas comidas quem for bobo, onde saber cozinhar é sangue que corre nas veias é engraçado ver o Erick Jacquin abrir um cupuaçu com martelo e depois fazê-lo recheio de peixe. Chegaram sem dominar a língua e os ingredientes, mas carregados da cultura onde saber cozinhar é natural. Tiveram que dar alguns nós no espírito para entender como alguém trai a confiança do outro por dinheiro, por exemplo. Mas todos eles ficaram firmes no propósito de trazer o melhor que tinham e dividir, transformar e se adaptar ao local em que escolheram viver. Descobrir novos ingredientes, ensinar, aprender. A vida é isso em qualquer lugar, é verdade.
Eu adoro a França e admiro o prazer e a aptidão que os franceses desenvolveram em relação a arte da alimentação. Uma vez, atraída pela beleza dos doces entrei em uma doceria e, abordada pela vendedora, disse não desejar nada, apenas admirar. Ela era uma menina e se aprumou toda com o elogio e me contou que era ela mesma a autora das proezas. Vi naquele gesto a força da história e entendi um pouco mais a alma francesa, acho.
Em tempos de globalização é bonito ver franceses tão adaptados ao modo de ser brasileiro sem perder a essência da diversidade. Continuam cozinhando como franceses, com ingredientes brasileiros. Carreiras de sucesso, sem dúvida. Mas, antes de qualquer coisa, pessoas procurando ser felizes com o que fazem. Por isso, aliás, o sucesso. Não acho que partiram para obter sucesso. Acho que partiram para ser felizes. E fazer outros felizes…Se você se interessa por cozinhar, vai gostar.