domingo, 3 de agosto de 2014

Comer e poder: valores humanos postos à mesa


Está acontecendo em Parati, Rio de Janeiro, a 12 Flip,  Festa Literária Internacional de Paraty. E o que isso tem a ver com os cozinheiros? "De onde vem a comida? Há 75 anos essa pergunta teria sido irrelevante, pq todo mundo sabia de onde vinha a comida. Hoje, nossa comida vem de caixinhas" e "Cozinhar é um ato político importante. Ao escolher os ingredientes para cozinhar, você vota naqueles que prefere. Ao comprar o alimento pronto, você abre mão destas escolhas e deixa que a indústria decida por você." Pronto! Já tem tudo a ver com todas as pessoas, não só aquelas que são cozinheiros e interessados, mas todos os seres humanos: para atravessar a experiência humana, por enquanto, a regra é que precisamos retirar energia dos alimentos. O autor das frases acima é o jornalista Michel Polan, escritor de vários livros relacionados à produção e consumo de alimentos e o que isso implica. Está lançando na Flip o livro "Cozinha", editora  Intrínseca, e falou essas pérolas aí de cima. E outras, que você pode ver aqui
Essas reflexões, trazidas para o dia a dia, nos fazem dar conta da imensa responsabilidade que temos ao fazer nossas compras. Há 75 anos atrás todos sabiam o que comiam. Hoje, a sociedade se complexificou, vivemos em imensas cidades com estruturas de abastecimento para milhões. E a cadeia de produção de alimentos, muitas vezes, lança mão de estratégias pouco lícitas (abuso no uso de agrotóxicos , condições de trabalho questionáveis na agricultura, pecuária e indústria,  conservantes na produção e uma lista enorme de problemas). Esse lado chega na sua mesa e, não só isso, você investe nele quando compra. O outro lado também é bizarro: por exemplo, em um evento de comidas orgânicas não se pode servir um suco a base de água de coco porque não se encontra um produtor de coco com certificação orgânica. Ou, pão de queijo: não tem polvilho certificado. Mas existem muitos pequenos produtores de coco e de mandioca que não possuem certificado e que são guardiões de sua terra e de seu produto como se eles fossem um braço real. Entendo a necessidade do consumidor em ter garantido que o um produto consumido seja assim e não  assado. E, para mim, essa é a questão principal: o desafio de construir um ambiente em que o ser humano seja o valor maior. Maior que o dinheiro, maior que o comércio. E que possamos ter a verdade como denominador comum. Se a indústria utiliza produtos nocivos, que isso fique claro, para que o consumidor possa optar sabendo do que se trata. Qual seria a cuidadosa mãe que daria para seu filho um biscoito com quantidades de açúcar e óleo suficientes para deixá-lo obeso,  se ela soubesse disso? E que, aquele que tem em sua consciência a grandeza da cadeia produtiva toda possa se apresentar como tal, também. Senão, é a ditadura da grana, que como disse Caetano Veloso, " destrõe coisas belas". As mais belas.
Todos precisamos viver. Mas, imagine se reestabelecessemos um dos  princípios maiores da vida: será que precisaríamos ter tanta grana, consumir tantas inutilidades, comer tanta porcaria, viver em cidades tão difíceis e mentir sem parar? Acho que continuaríamos a ganhar dinheiro, mas a vida seria bem melhor. E à mesa? Bom, na sua você iria, - com direito a toda verdade -, escolher o que e como colocar.
Se você se interessar, leia o Michel Polan. Ele tem coisas a dizer sobre o que chega no estômago e passa antes pela terra, pelas mãos e pelas intenções de quem produz e vende. O meu pão de queijo fui eu mesma quem fez, com polvilho não certificado, mas totalmente orgânico, e queijo industrializado Balkis. Porque, quando tudo está às claras, a vida é muito melhor. E junta a família para comer e degustar muitos significados, além do pão de queijo em si. Que ficou bem bom.