Quando me preparei para ir ao Chile e Bolívia achei que, por lá, eu iria nadar de braçadas na quínua e no milho. Conhecia a quínua branca, negra e vermelha e pensei em quantas outras cores me esperariam. Quanto aos milhos, meu coração estava aberto para surpresas totais. Na primeira parada em San Pedro de Atacama, no norte do Chile teria a chance de cozinhar eu mesma. Adoro ir `as compras para produzir minhas próprias refeições quando estou em um lugar diferente porque, para mim, não existe uma maneira mais fácil de conhecer a alma de um lugar do que nos mercados. Mas, minha ignorância era grande...
San Pedro é um oásis em meio ao deserto mais seco do mundo. Da lhama - que dá a lã para a proteção do frio - come-se a carne, que, segundo quem comeu é muito oleosa e um pouco pesada. O bichinho deve concentrar muita gordura como resposta ao frio intenso. E muito frango. Verduras são raras e os legumes que provei, um pouco insossos, com exceção da batata que era bem saborosa. Mas a abobrinha, por exemplo, era dura e com um buraco entre as sementes na parte interna. Toda aquela umidade a qual associamos as abobrinhas não são uma realidade naquele lugar seco. E milho e quínua são raros. E caros. O lugar é mínimo (uma vila com 2000 habitantes), e possui alguns mercadinhos que vendem de tudo, mas principalmente água, claro. A pele arrebenta, o nariz sangra, e a lembrança de que água é o elemento mais fundamental fica muito clara.
A quínua consegui comprar. Só da branca sem muito glamour e oferta. Pensei que o lugar da quínua com certeza, seria a Bolívia e o meu mergulho teria que esperar mais alguns dias. De fato, ao redor do salar do Uyuni vi campos de quínua semeados de montão. Mas também fiquei sabendo que a valorização da quínua nos últimos 5 anos colocou-a em outros lugares, todos fora da Bolívia e região. Há cinco anos atrás 50 quilos de quínua custavam 4 dólares e eram trocados por 25 quilos de farinha de trigo. Atualmente, os mesmos 50 quilos custam 100 dólares e valem 250 quilos de farinha de trigo. Apenas um único dia, no café da manhã, nos serviram cereal de quínua e mesmo assim porque eu reclamei da falta dela. Tentei depois comprar dele, sem sucesso. Nem o cereal, nem grão nenhum.
Já no Chile o milho fez de mim motivo de piada por procurar em toda a vila "harina de maiz", em vão. Na dificuldade, comecei a procurar pelos grãos in natura e, consegui um dia, em um caminhão na praça, um único choclo, que é o milho branco. Era delicioso e me animei! Mas foi quase como um devaneio. Nunca mais choclos ou outros milhos. Retornei à minha busca pela farinha até o dia em que a Milena proclamou: "Mãe, se conforma! Aqui, não existe farinha de milho". Tive que me conformar...aquela farinha de milho com flocos grandões da minha imaginação, não tinha. Mas, já no final da estadia no Chile, achei uma farinha mais fina chamada chucoca. Parecia um fubá mais grosso parecido com o que se usa para fazer o cuscus baiano, na cuscuzeira. Comprei. E carreguei. E hoje juntei lé com cré: cuscuzeira baiana, alecrim na água do cozimento para aromatizar,
chuchoca chilena e queijo minas Balkis. Poxa, que ficou bom demais. Preciso contar para os chilenos que a cuscuzeira existe e que eles tem uma chucoca incrível para cuscus com queijo!