quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Mesa Tedências: de onde viemos e para onde vamos


umbigo de banana com gengibre
Sempre fui entusiasta do Mesa Tendências, o maior congresso de gastronomia da América Latina. Acho importante juntar gente de vários lugares para saber o que estão fazendo e percebendo em seu entorno. Mas o Tendências desse ano está bem desigual. O tema é "Raízes: de onde viemos e para onde vamos". O tema é vasto e daria pano para muita manga, mas parece que a gastronomia está sofrendo de um inchaço de ego e as pessoas, às vezes, esquecem da importância do tema.
Já é o terceiro ano que se discute os rumos da natureza na produção de alimentos e é consenso que o consumo indiscriminado de carne é inviável, a médio prazo, para o planeta. Que a enorme quantidade de emissão tóxica que advém da criação e da indústria de carne não deixa dúvidas...O consumo de vegetais e verduras tende  à produção orgânica e à proximidade do produtor com o mercado, a longo prazo. E o sonho do cozinheiro é ver as grandes corporações de sementes decaírem a falênca completa e absoluta. Ingenuidade? Talvez. Mas o mundo contemporâneo nos aponta para soluções que passam por aí. Na gastronomia, isso quer dizer saúde, sabor e mais justiça social. Ao comer o que tem mais perto da gente, sem dúvida estaremos experimentando um alimento com mais vitalidade, e isso é saúde. E claro, quanto mais vital, mais saboroso e mais usto para o produtor que terá seu produto valorizado.
Aqui, escutei uma cozinheira da Dinamarca chamada Trune Hanhemann dizer que tudo é muito interessante quando viajamos, descobrir novos ingredientes e tal. Mas uma cultura alimentar é aquela que que cresce na natureza onde a pessoa vive. E aí, desde muito pequeno, se aprende com ela. Na cultura dela o pão de centeio é um algo vivo. Está lá desde a idade média com seu fermento de cerveja. E para nos mostrar, de verdade, o que é o pão dinamarquês, ela produziu uma quantidade deles, que trouxe na mala para experimentarmos. Nenhum centeio brasileiro teria o mesmo sabor que o de lá. Claro. Assim como a mesma água não passa duas vezes embaixo da ponte, o que se produz aqui não é o mesmo que se produz em lugar nenhum. Felizmente. Por fatores ambientais e culturais e porque a diversidade é, de fato, o maior patrimônio da humanidade. E a questão das sementes se torna crucial para a preservação deste patrimônio e não poderia continuar nas mãos de algumas pouquíssimas empresas.
Nesse sentido, é que achei o Tendências desse ano desigual. Tem gente querendo aprofundar a discussão e usar o espaço projetivo que ganhou para dizer coisas importantes. Tem gente que sobe no palco para fazer receita, coisa que teria lugar no evento ao lado que é o Prazeres da Mesa, com aulas e apresentação de cozinheiros e suas receitas. Sei lá. Parece que já tem política demais, com seu pequeno mundo ganhando mais proporção do que deveria...
É importante cozinharmos o que temos na nossa cozinha, de maneira criativa, claro! Conhecer o que se faz em outros lugares, trocar experiências. Mas isso se constrói a partir do conhecimento e valorização profunda daquilo que se come no seu lugar de origem. Porque aí sempre se encontrará um lugar de afeto, respeito e segurança. E isso varre do mapa desejos de autoafirmação e bajulação que não servem para nada, além de políticas pessoais que não acrescentam ao coletivo.
Mas a boa noticia é que, em meio a essa desigualdade do congresso, estão lá coisas boas, como  a farinha de uarini, o doce de cajá, a farinha d'água,  o umbigo de banana, a geléia de pequi, a geléia de café, os queijos artesanais, trazidos pelas mãos de cozinheiros despreendidos, que colocam, sim, o produtor no seu real lugar, a indústria de alimentos preocupada com o sabor e tantas outras coisas boas. E eu espero que estejamos indo por esse rumo...