quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Comida dos Deuses

Algumas pessoas me pediram para postar aqui a receita de um prato indiano chamado palak paneer. Palak é o nome de uma verdura que se parece bastante com espinafre, mas é outra coisa. E paneer é um queijo, feito inclusive nas ruas, em panelões muito fundos. Parece uma ricota, só que agregada, ou um queijo fresco muito macio.
A Índia é um capítulo a parte. Como no Brasil, a cozinha é supervariada e repleta de regionalismos. A sociedade indiana tem um forte vetor no que se refere à espiritualidade, então, quase tudo passa por aí. Não é diferente com a comida: ao contrário, ela é parte importante desta visão de mundo, e os templos estão cheios de oferendas com frutas e doces.
Assisti a uma comemoração chamada Pongal, que é a festa da colheita. Nela, vi uma estátua gigantesta toda ornamentada com guirlandas de comida: doces, salgados, frituras, frutas, uma beleza de ver.


Uma sociedade que enxerga o sagrado em tudo, inclui cada refeição e cada oferenda nisso. Dos restaurantes muito caros às ruas repletas de gente, tudo passa pela espiritualidade. A sofisticação dos muitos sabores indianos se reflete em cada preparação e em cada oferenda. Depois de casamentos a beira do rio ganges, ruas de norte a sul repletas de cozinheiros, restaurantes onde só entra homem na cozinha, mercados por todas as partes, eu concluí que a Índia é o lugar dos sonhos dos fotógrafos e cineastas. É o país da foto pronta, porque a vida pulsa forte por lá em um ritmo incessante e acelerado.


O palak panner é servido com chapatti ou com frango ao curry. Para chegar mais perto do sabor do palak, misturei um maço de espinafre cozido sem água com cinco folhas de acelga cozidas em água. Processei os dois. Temperei com dois tomates sem peles e sem sementes em cubos pequenos, uma colher de chá de coentro moído, meia de cominho em grão, muita pimenta fresca, uma colher de chá de cúrcuma, uma de curry, gengibre ralado, sal e guee (manteiga clarificada). Depois que as especiarias liberaram o aroma, juntei as folhas processadas e queijo fresco Balkis cortado em cubos pequenos. O aroma ganhou da foto e o palak panner acabou, sem dar tempo de fotografar. Quem fizer, manda a foto por favor!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Hábitos e cozinha



Em uma discussão com amigos cozinheiros sobre temperos e ingredientes chegamos a conclusão óbvia: cada região do mundo constrói o paladar de acordo com sua geografia e o que aquele lugar oferece. O óbvio ficou interessante quando começamos a tecer idéias e verificamos que ingredientes iguais, em diferentes locais do mundo, são utilzados de maneiras muito diferentes.
Exemplo clássico: alho. Ninguém mais que nós, brasileiros, para usar tão indiscriminadamente e mal o alho. Super aromático e de sabor preponderante, o alho está praticamente em todas as panelas do fogão do brasileiro. No arroz, no feijão, nas carnes, peixes e aves, nas verduras, nos legumes e nos molhos!!! Tudo!
No começo no ano estive na Turquia e foi interessante sentir o aroma dos assados, espetos de carnes e peixes pelas ruas de Istambul: cheira erva e páprica. Muita hortelã. A hortelã é para os turcos o mesmo que o alho é para os brasileiros: está em todas! A cidade é linda, o mercado de temperos uma loucura! As pessoas pescam no mar em todas as pontes da cidade durante o dia e saem com seus peixinhos embaixo dos braços. E hortelã. Seca ou fresca. Na sopa, no peixe, na carne vermelha, em tudo! E nada de alho. Olha que eu rodei aqueles mercados. Vi muita coisa em abudância, mas alho, muito pouco. Achava que a comida turca ia ter quilos de alho e não foi isso que encontrei, não.
Ou seja, tudo depende. Hábitos, as vezes, nos emburrecem. Acho saudável experimentar fazer diferente. Foi da matriz desse pensamento que fiz estas quenelles com purê de cará. Ficou lindo e gostoso. Cará cozido em água com salsão, alho porró, cravo, tomilho e louro. Amassado quente e temperado com nata Balkis, creme de leite Balkis, sal e um pouco do líquido do cozimento. Brasileiríssimo, mas sem alho...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Produção independente


Recebi no celular as fotos desta entrada preparada pela minha aluna Juscélia junto com o seguinte texto "olha só a sua aluna"! Quem gosta de ensinar sabe bem o prazer que é ver as pessoas alçando os próprios vôos. Na cozinha não é diferente.

Acredito que cada um descobre seu potencial criativo sozinho. O meu trabalho é referenciar, apresentar possibilidades de ingredientes, dividir o que sei e acreditar que vai dar certo. Todo mundo tem as próprias experiências com a comida e o paladar. Quando alguém se propõe a aprender, junta tudo e constrói segurança suficiente para começar a pensar sozinho e inventar suas próprias produções.

A entrada da Ju é com massa de pastel de feira assado, mais o patê com cani defumado e creme de ricota Balkis, - que ela inventou -, radicchio e morango. A invenção foi boa, a apresentação ficou ótima e a idéia também. A massa de pastel de feira, a Ju colocou no fundo de forminhas de petit gateau e fez as cestinhas. Aí está a idéia dela recheada com o orgulho da professora, que já começou a aprender com a aluna.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Simples assim


Quero dividir uma descoberta bem legal. Lá na Chapada dos Veadeiros tem um apiário surpreendente. Foi há alguns anos atrás a primeira vez que comprei mel neste lugar. Chama-se "Apiário Coração do Cerrado" e o dono é um sueco chamado Roland. Já tinha voltado outra vez mas não consegui ir ao apiário. Desta vez fui decidida a não sair de lá sem mel.

O mel é um dos alimentos mais antigos e a vida das abelhas e produção do mel é um assunto interessantíssimo. O incrível é que a vegetação do cerrado tem flores variadas que resultam em méis com sabores muito especiais. Comprei um mel de copaíba que é um escândalo. Super perfumado e com sabor idem.

A cor, o aroma, a densidade e o sabor do mel dependem do local, clima e altitude em que ele foi produzido e da variedade de plantas das quais as abelhas retiraram o néctar.

O Roland troca mel com apicultores de outras regiões do Brasil. Significa que ele tem para vender mel de flores do nordeste, por exemplo. Ele disse que envia mel para o Brasil e exterior. Segue o contato do Roland : comabelhas57@yahoo.com.br. O telefone é 62 34461534.

Voltei bem feliz com meu estoque de mel do cerrado e de outras paragens pensando nas produções. Hoje, explorei a simplicidade que realça a potência do ingrediente: Lunarella Balkis, ameixa seca e mel de copaíba. As papilas gustativas agradeceram. Ficou incrível. Simples assim...

Tiramissu da Patrícia


Recebi esta receita da Patrícia Galvão, que substituiu o café por chocolate na clássica receita de tiramissu. Fala, Patrícia: "...há algum tempo mudamos a receita original pela idéia do meu patrão em substituir o café pelo leite com nescau preparado bem forte. Foi ótimo, pois todos que não tomam café adoraram a idéia...".

A idéia do patrão da Patrícia de incluir as pessoas com restrição a cafeína no tiramissu foi bem legal. Eu substituiria o nescau por um chocolate sem açúcar, já que a receita original leva o café forte sem acúçar. E o mascarpone pede ingredientes a altura dele, eu penso. Melhor ainda se o chocolate for amargo.

Infelizmente não é fácil encontrar chocolate em pó amargo nacional no mercado. A Kopenhagen tem um chocolate amargo em pó maravilhoso e eu não consigo entender por qual motivo ele não é comercializado fora do modelo "chocolate quente" nas lojas da própria Kopenhagen. Em São Paulo se comercializa algumas marcas belgas, colombianas, asiáticas e africanas de chocolate que são excepcionais. E muito caras, também. Sei que São Paulo tem um universo comercial na área de gastronomia que não é bem a realidade do resto do Brasil. Mas cozinheiro é maluco e faz loucuras por ingredientes...quando tiver a oportunidade, não deixe de experimentar. Aí está a receita da Patrícia.

Tiramissu da Patrícia

Ingredientes:
390g de queijo tipo mascarpone Balkis
750 ml de creme de leite fresco pasteurizado Balkis
5ovos (gemas separadas e claras batidas em neve)
1 pitada de sal
2 caixas de biscoito de champanhe com açúcar fino
2 xícaras de (chá) de açúcar
+4 colheres de açúcar
1 xicara e meia (chá) de leite com Nescau preparado bem forte
1 xicara de (chá) de licor amareto (ou outro licor de amêndoas) para umedecer os biscoitos
cacau em pó para polvilhar
Obs: Pode substituir o cacau em pó por outro chocolate em pó mas o sabor não vai ser o mesmo.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Fogo no céu


Na semana passada fui trabalhar na Chapada dos Veadeiros, Goiás. Fiquei aflita porque quando cheguei vi que a internet não funcionava e, só quando voltasse é que eu iria poder fazer os posts com tudo que vi por lá.

Para falar a verdade, o que de mais impressionante eu vi foi o incêndio na Chapada dos Veadeiros: 40% de toda ela queimada até ontem quando sai de lá no final da tarde! A paisagem era surreal e me inspirou a fazer um prato bem negro e bem branco.

Quem me acalmou em relação àquele fogo todo foi o Maurinho, morador da vila de São Jorge e profundo conhecedor da flora local. Ele me disse que o cerrado queima mesmo e que, na primeira chuva após o inverno, que recebe o nome de chuva do caju em Brasília, tudo volta a ficar verde...


O Maurinho tem um herbanário lindo. Me deu uma aula sobre as características de tudo o que tem plantado lá. Trouxe comigo uma muda de hortelã grosso, cuja folha parece boldo, mas o sabor é uma mistura de hortelã com orégano e deve ficar ótima em molhos para salada ou até como pesto sobre aquela com Lunarella Balkis que o Fernando Guiao me mandou a receita e está publicada aqui. Vou plantar, vamos ver...


Outra coisa bem interessante é que ele ganhou uma mudinha de curry de alguém lá no jardim botânico de Brasília. Sabia que o curry é uma árvore e suas folhas secas é que são utilizadas na base da preparação de todos os currys? É isso aí. O que comumente se conhece como curry é o de Madras, cidade do sul da Índia que atualmente nem se chama mais Madras e sim, Chennai. Curry é uma masala, que é uma mistura de vários condimentos e, na Índia, existem mais de 370 tipos de currys catalogados! Mas só a folha do curry, fresca ou seca, também é super utilizada em muitas preparações. Bom, o importante dessa história, é que o Maurinho vai me dar uma muda quando ela ficar forte e, finalmente, vou ter meu pé de curry.


Falamos de adaptações, misturas de ingredientes e hoje produzi uma coisa dessas: cogumelo shitake, cogumelo eryngui, bardana, gengibre, nata Balkis, alecrim e shoyu. Fiz um tipo de mil folhas da bardana e do hirataki e recheei com o shitake. A nata Balkis é uma gordura incrível que realçou o sabor delicado dos outros ingredientes e ajudou a dar estrutura ao molho.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Virado de Queijo

Tive que faltar na minha aula por conta de um mega congestionamento. É muito chato quando a professora falta, mas quem vive na cidade de São Paulo tem que se haver com coisas desse tipo. Não sou do tipo que gosta de reclamar. Morar em São Paulo é um exercício de paciência e nós, paulistanos, temos a oportunidade de ficarmos peritos nisso!
No meio do congestionamento, me lembrei de quando era menina e, na linha de um pensamneto puxa outro, fui parar na cozinha da minha casa de infância. E a imagem que recuperei foi de uns queijos bem grandes, pendurados por cordas, próximos aos armários. Percebi que o queijo faz parte da minha vida desde sempre. Minha mãe sempre cozinhou e a folia em casa envolvia a cozinha.
Meu sogro fabricava queijos e meu marido conta que a dispensa da casa de infância dele era cheia de experiências do pai, com queijos. E como meu sogro era mineiro, sobrou para nós uma delícia que veio daí: chama-se "virado de queijo" e, segundo a tradição familiar, é comida de tropeiro. Aliás, o avó do meu marido era tropeiro ele próprio. Foi quem ensinou meu sogro, que ensinou meu marido, que ensinou meus filhos...
Tropeiro é o sujeito que conduz o gado de um lugar a outro. Na viagem do tropeiro não podia faltar queijo -feito com leite bem gordo - e farinha de milho. O virado de queijo do tropeiro é o queijo derretido em frigideira junto com farinha de milho e sal. É um deslumbre!
Outro dia recebi uma amiga baiana muito querida e faltou pão no café da manhã. Estávamos com pressa e rapidamente fiz para ela um virado de queijo com a mistura de dois queijos que tinha na geladeira: minas padrão e minas frescal Balkis. Era pouco, mas juntando os dois deu tudo certo. Ela se acabou de comer e o resultado foi que, duas semanas depois quando fui à Bahia dar um curso de culinária na fazenda de cacau dos pais da Pat, tive que incluir virado de queijo nas produções a serem ensinadas.
Brinquei com os baianos dizendo que a Bahia havia se curvado à Minas...Deu polêmica , se invocou o cacau e o dendê mas o virado de queijo acabou rapidinho...
Sugiro que você tente, um dia: frigideira antiaderente, queijos minas padrão Balkis e Lunarella Balkis. Quando o conteúdo da frigideira esparramar em derretimento, acrescente farinha de milho e sal mexendo sem parar até que tudo se agregue.
Acredito que a gente deve que se apropriar destas riquezas, verdadeiros patrimônios culturais. E me conta depois se você gostou do virado de queijo.